O primeiro contato com os índios isolados, sem auxílio de intérprete, foi estabelecido pelo índio Fernando Kampa de forma pacífica. Os ashaninka da Aldeia Simpatia se aproximaram e os isolados gesticulavam pedindo a calça de um servidor da Funai, que se aproximou juntamente com os ashaninka apenas de cueca.


- Ao gesticularem pedindo comida, o indígena Fernando Kampa pediu que fossem apanhados dois cachos de banana e os deu aos índios, realizando assim o contato. No momento de entrega das bananas, também apareceu na margem contrária outro índio isolado que havia sido avistado na BAPE
Xinane e também uma mulher com um saiote, possivelmente feito de envira, e com uma criança de aproximadamente cinco anos. A mulher entregou um jabuti ao indígena Fernando Kampa como forma de agradecimento ou troca pelas bananas – diz o relatório de campo da equipe da Funai.

Após o primeiro contato, de acordo o relatório, o indígena Fernando Kampa pediu que os ashaninka pegassem suas roupas para dar aos isolados e os chamou para o acompanhar até a aldeia Simpatia. “Mais uma vez não foi possível controlar os avanços dos ashaninka”. Segundo o relatório, as roupas estavam sujas, possivelmente com escarros, doenças sexualmente transmissíveis, que podem ter contaminado os isolados.

O fato é que o grupo de índios isolados contraiu gripe e se deslocou junto com a equipe da Funai para a base da FPE Xinane. O grupo foi convencido a permanecer na aldeia até que fosse encerrado o atendimento médico pela equipe mobilizada pelo geógrafo Carlos Travassos, da Coordenação-geral de Índios Isolados da Funai em Brasília.


Após a conclusão do tratamento, os indígenas retornaram para suas malocas, onde estão os demais integrantes de seu povo. De acordo com informações dos intérpretes que integram a equipe da Funai, os índios pertencem a um subgrupo do tronco linguístico pano.

A equipe da Funai encontrou uma pequena bolsa na qual os índios isolados carregavam cachimbo, camisas, caixa de fósforo peruano, embalagens de sabão peruano, uma carteira do Corinthians enrolada com pedaços de fios coloridos e com um pote contendo um líquido, provavelmente um anticoagulante que é aplicado na ponta das flechas. Havia também cartucho calibre 32, pólvora preta (marca Jacaré), uma espoleta, pacote vazio de sal (marca Caiçara), caucho (sernambi), três lâmpadas incandescentes, parafusos e porcas, que os isolados usam para carregar cartuchos da espingarda. O material foi todo devolvidos aos isolados.


Os índios isolados, que prometeram regressar com familiares no prazo de luas -mais ou menos no começo de setembro-, neste domingo (27) decidiram antecipar. Um grupo de oito isolados se estabeleceu na Aldeia Simpatia, incluindo uma criança.

O índio Zé Correia, da etnia jamináwa, chamado pela Funai como intérprete, contou que os índios isolados preferiram não se identificar porque temem ser alvos de novas correrias (matança organizada de índios) por parte de outros grupos indígenas isolados.

- Mas a situação mais grave envolve os narcotraficantes e madeireiros peruanos. A maioria desse grupo contatado é de jovens. A maioria dos velhos foi massacrada pelos brancos peruanos, que atiram e tocam fogo nas casas dos isolados. Eles disseram que muitos velhos morreram e chegaram enterrar até três pessoas numa cova só. Disseram que morreu tanta gente que não deram conta de enterrar todos e os corpos foram comidos pelos urubus. Nosso povo jamináwa compreende a língua dos isolados e nós vamos acompanhar. O governo brasileiro precisa fazer algo para defender esses povos. Eles disseram que existem outros cinco povos isolados na região e que são grupos bastante numerosos. Apesar das diferenças e dos conflitos que existem entre esses grupos, todos são perseguidos pelos brancos peruanos. Qualquer dia todos esses povos podem procurar o Brasil em busca de proteção. A Frente de Proteção Etnoambiental da Funai precisa de total apoio.  Vai ser impossível se fazer algo apenas com as mãos e as unhas. Não podemos ser cúmplices de genocídios – apelou Correia.


A equipe da da Frente de Proteção Etnoambiental Envira Envira, entre os dias 17 e 30 de junho, produziu um relatório preliminar de campo denominado “Desenvolvimento das atividades Aldeia Simpatia”.

Veja o que foi relatado sobre o que aconteceu na aldeia nos dias 29 e 30 de junho:

29/06/2014 – domingo

"Durante todo o dia ocorreu a tradicional caiçumada dos Ashaninka e
no final da tarde, por volta das 16:00, o téc. em enfermagem, Francimar
Kaxinawa, retornou às pressas de seu banho no rio e informou a equipe
da FUNAI (Marcelo Torres) que os isolados estavam gritando no barranco à
margem oposta da praia da aldeia Simpatia.

Outras crianças Ashaninka também ouviram e chamaram rapidamente
os adultos que estavam na caiçumada. Neste momento, os indígenas
Ashaninka seguiram correndo pela praia até chegarem próximos aos
isolados, liderados pelo indígena Fernando Kampa. Todos os Ashaninka
aparentavam estar bêbados e bastante alterados.

Um dos indígenas da aldeia Simpatia, Gilberto Kampa, havia subido
o rio pouco tempo antes para arrancar macaxeira e após ver os isolados
ficou ilhado no roçado. Sua esposa veio até a aldeia chorando e pediu
para que fossemos busca-lo. Além de Gilberto, estavam com ele 2 de seus
filhos com idade entre 3 e 5 anos.

Os isolados gritavam e gesticulavam, onde foi possível ouvir
nitidamente a palavra “camisa” e batendo na barriga como quisessem dizer
que estavam com fome. No momento da aparição, estava presente apenas o
servidor Marcelo Torres da FUNAI e sendo que Meirelles, Artur e
Guilherme estavam mais abaixo no rio Envira pescando.

Não foi possível conter os Ashaninka para aproximação com o grupo
isolado, que a princípio se apresentou com 4 índios, os mesmos
avistados na BAPE Xinane. Seguiam portando 1 espingarda e os demais com
arcos e flechas.

Os Kampas se aproximavam mais e os isolados gesticulavam pedindo a
calça do servidor Marcelo Torres, que se aproximou juntamente com os
Kampa sem a calça, apenas de cueca. Ao gesticularem pedindo comida, o
indígena Fernando Kampa pediu que fossem apanhados dois cachos de banana
e os deu aos índios, realizando assim o contato.

No momento de entrega das bananas, também apareceu na margem
contrária outro índio isolado que havia sido avistado na BAPE Xinane e
também 1 mulher com um saiote possivelmente feito de envira e com 1
criança de aproximadamente 5 anos. A mulher entregou um jabuti que foi
entregue ao indígena Fernando Kampa como forma de agradecimento ou troca
pelas bananas.

Após este contato, o indígena Fernando Kampa pediu que os
Ashaninka pegassem suas roupas para dar aos isolados e os chamou para o
acompanhar até a aldeia Simpatia, onde mais uma vez não foi possível
controlar os avanços dos Ashaninka. As roupas dadas estavam sujas,
possivelmente com escarros, DST’s, etc., que podem ter contaminado os
isolados.

Na chegando a praia da aldeia Simpatia, também havia acabado de
chegar os servidores Artur e Guilherme, juntamente com Meirelles. A
equipe tentou conter os isolados e os Kampa que chegaram a ligar o motor
do barco da FUNAI para buscar o indígena Gilberto Kampa no roçado, mas
foi praticamente impossível até que Fernando Kampa foi contido após
ríspida discussão com a equipe da FUNAI.

Chegaram a aldeia apenas 3 dos índios isolados e os demais
permaneciam no barranco à margem contrária. O indígena Fernando Kampa
pediu para sua esposa trouxesse caiçuma para os isolados e ao chegar na
praia, o servidor Marcelo Torres orientou ao médico da equipe de saúde,
Neuber, que chutasse a cuia impedindo que a bebida chegasse até os
isolados.

Após este momento, os índios começaram a subir para a aldeia e
saquear as casas dos Ashaninka que permaneciam passivos, bêbados, sem
qualquer espécie de reação. Foi preciso que a equipe da FUNAI intervisse
e impedisse que todas as casas fossem saqueadas. Meirelles precisou ser
mais ríspido para que um dos isolados deixasse parte do que iria
saquear no chão. Quando eram mostradas armas, os isolados se mostravam
extremamente nervosos e agitados, gritando “Shara”.

Depois deste momento de saque, a equipe da FUNAI conseguiu conter
um pouco os isolados e os acalmar, sendo possível ver os isolados
arremedando animais da mata e também cantando. O servidor Guilherme
tentou realizar o contato urgente com Brasília e Rio Branco e não obteve
resposta.

A equipe seguiu conversando e tentando manter contato com os
isolados para acalmá-los, mas em determinado momento, o grupo isolado
ouviu um arremedo de nambu azul vindo da mata próxima ao Ig. Simpatia e
se agitaram, gesticulando como se tivessem sido flechados.

Com o cair da noite tornou-se ainda mais difícil conter o grupo e
novos saques foram realizados nas casas dos Ashaninka. Pouco tempo
depois, chega a aldeia Simpatia pela mata o indígena Gilberto Kampa com
seus filhos, assustado e informando que haviam outros índios escondidos
na região do roçado.

Na tentativa dos servidores de conter os saques, os mesmos eram
ameaçados com flechas. A equipe tentou fazer uma fogueira e sentar com
os isolados, mas pouco depois o grupo de isolados desceu e saiu correndo
pela praia no sentido do barranco onde estavam os demais índios.

Após o contato e a saída dos índios, as equipes da FUNAI e da
Saúde realizaram escala de vigília durante a noite em caso de nova
investida dos isolados. Durante o período da noite e madrugada, apesar
da vigília, os isolados cortaram todas as cordas das ubás e afundaram
uma das voadeiras da FUNAI com motor."


30/06/2014 – segunda-feira

"Por volta das 7:00, os Ashaninka que tinham descido na praia do
simpatia nos informaram que os índios isolados estavam descendo
novamente rumo a aldeia, descemos na praia e montamos um esquema para
impedir que eles subissem novamente para realizar saques. Uma equipe
ficou na frente e outra com espingardas atrás. Orientamos que ninguém
ficasse sozinho frente aos isolados, mantendo sempre um numero maior que
eles. Eles utilizaram a ubá do Gilberto Kampa (tinha deixado no rocado)
para atravessarem o rio.

Atravessaram o rio Envira e deixaram a ubá na praia localizada
acima da aldeia. Estavam em 04 pessoas. Eles se deslocaram pelo rio até a
praia.

Ao chegarem à praia da aldeia Simpatia já foram logo pedindo
coisas, tipo camisas e panelas.  Não foi fornecido. A equipe da FUNAI
manteve um dialogo através de gestos calmo e tranquilo. Eles subiram o
barranco, mas foram contidos antes de entrarem na aldeia. Qualquer
investida era contida mostrando as armas, o que os deixavam bastantes
nervosos. Meirelles tinha esse papel de impedir  a entrada deles, quando
tentavam entrar na aldeia ele gritava, assoprava e mostrava a arma.

Foi tentado realizar trocas com os isolados, do tipo mostrávamos
um terçado e pedíamos uma flecha, mostrávamos artesanatos (eles
demonstravam grande interesse) e pedíamos algum ornamento deles, mas
nenhuma troca obteve sucesso.

Ao perceberem que não obteriam sucesso nos saques, pediram algo
para comer, foi dada banana, macaxeira cozida, coco e carne assada,
sendo que só comeram as bananas. Desconfiavam de tudo que dávamos para
eles comerem. Eles abriram os cocos, tomaram um pouco da água e deram o
restante para a equipe que ficou a frente na contensão.

Num certo momento o servidor Artur fez um cigarro de tabaco e
acendeu em frente aos isolados, eles ficaram bem exaltados e pediram o
tabaco e o isqueiro. O tabaco foi fornecido, eles pegaram, cheiraram e
pediram para que Artur desse o cigarro feito. Artur forneceu o cigarro,
eles deram algumas puxadas e guardaram para mais tarde. Artur tentou
trocar o isqueiro por uma flecha, mas os isolados não quiseram.

Fernando Kampa apareceu num certo momento tirando algumas fotos
bem de perto, ao bobiar por um minuto, estava mostrando o funcionamento
do isqueiro, um isolado tirou a câmera do Fernando que estava no bolso e
foi embora.

Ao perceberem que não obteriam sucesso nos produtos
industrializados resolveram ir embora. O tempo de permanência foi de
1:30 h no barranco da aldeia Simpatia. Ao sair um indígena isolado
espirrou, ao entrar no rio o mesmo deu uma tossida."


IVANA BENTES É necessário amansar os brancos

"Documento de cultura, documento de barbárie é a primeira coisa que
vem a cabeça vendo os relatos dos indigenistas e agentes que
participaram dos contatos com os índios isolados do Acre.

A própria forma de percebê-los ganha materialidade nos confrontos com
o Estado: avistamentos, vestígios, confrontos armados, mortes dos
“isolados”, mortes dos moradores brancos, conflitos com
narcotraficantes, etc.

O que acontece depois do contato? Muitos vão morrer pela simples
proximidade e contágio com as gripes e doenças corriqueiras dos brancos.
Como se preparar para o encontro, que estratégias, qual o melhor
momento? É sintomático que os contatos se intensifiquem quando as terras
indígenas são comprimidas, pelo desmatamento, pressão de madeireiros,
mineradoras, prospecção de petróleo, tráfico de drogas, missionários.

Os índios isolados “fazem contato” numa situação critica, como disse o
antropólogo Terri Aquino. Indios ”isolados” de quem? Não somos
isolados, bravos, invisíveis, cercados, somos resistentes. Vocês não
acham a gente, índio já está ali desde sempre, é como o jabuti na
floresta, ninguém acha o jabuti, só encontra quando ele está passando
disse o indígena jaminawá Zé Correia na sessão emocionante de
apresentação das imagens inéditas do contato com os “índios isolados”
mostradas pela Funai durante 66ª Reunião Anual da SBPC, no Acre.

Correia acompanhou os primeiros contatos da Funai na Aldeia Simpatia
da Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, na região do Acre
de fronteira do Brasil com o Peru. O depoimento continua dizendo: “Os
Indios não são ‘isolados’ são livres e circulam porque não sabem dessas
fronteiras que os brancos inventaram, não tem indígena do Peru, do
Brasil, da Bolivia, nós somos o mesmo povo. Não queremos ser mandados,
queremos ser parceiros da FUNAI para ajudar os parentes isolados.”

No vídeo apresentando vemos as imagens de garotos indígenas muito
jovens no primeiro encontro, tenso e com um misto de celebração e
desespero dos agentes do encontro: “papa não, não pode! No, no, no!
Panela, não! Não, tem doença!” quando pegam uma muda de roupa. A
aproximação pelo oferecimento de comida.

O interesse dos indígenas pelos terçados, machados e também gestos de
impaciência com as reprimendas e ansiedade dos brancos. O Estado
brasileiro (ou qualquer estado) está preparado?

A missão foi exitosa, diz Carlos Travassos, mas as condições
precárias da Funai, a burocracia, a dificuldade em trabalhar em
cooperação entre Brasil, Peru, Bolivia, os desafios da Pan Amazônia se
impõem.

Numa infinita remediação de um campo e uma situação que precisa de
atenção mais do que urgente e que sofre retrocessos constantes. “Só
queremos viver” disse um dos indígenas.

Foi uma sessão emocionante com antropólogos, estudantes, agentes da Funai, e indígenas na SBPC em Rio Branco-Acre.

Ouvimos os relatos do antropólogo Terri Aquino, do indígena Jaminawá
José Correia, do antropólogo de Porto Maldonado, no Peru, Alfredo Gárcia
Altamirano, de Carlos Travasso, da Coordenação-geral de Indios Isolados
da Funai e de outros indígenas da região.

Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/blogdaamazonia/blog/2014/07/29/exclusivo-video-do-1%C2%BA-contato-dos-indios-isolados-com-funai-no-acre/